A Segurança do Cansaço

Byung Chul Han é um filósofo moderno sul-coreano, ele escreveu o livro “Sociedade do Cansaço” e trago aqui a visão dele e minha contribuição sobre como isso se aplica à segurança da informação.

A Sociedade Disciplinar

há tempos atrás, vivíamos em um paradigma um pouco diferente, a chamada Sociedade Disciplinar foi um momento da história onde haviam os predomínios de organizações tais como presídios, indústrias, hospitais, asilos, ou seja, estruturas sociais que precisavam de uma figura de poder – o famoso chefe – para controlar pessoas e cobrar produção. Entendia-se que a produção não viria espontaneamente dos empregados, era preciso trabalhar com medo de ser punido para ser produtivo. Esta época foi marcada pelo medo que as pessoas tinham de serem taxadas como loucas e por isso elas produziam sem questionar e sem barganhar.

A sociedade disciplinar está muito associada a teoria do Panóptico de Foucault, onde há uma constante vigilância para que as pessoas sigam agindo da forma desejada, no caso, produzindo. Vale observar que a produção era limitada por horários rígidos de produção e descanso.

Com o tempo percebeu-se que esta sociedade disciplinar tinha limitações e não era muito eficiente, então aos poucos migramos para a Sociedade do Desempenho. Nesta sociedade, o predomínio é de organizações mais colaborativas e menos disciplinadas como shoppings, aeroportos, coworkings e empresas que mais se parecem com resorts, onde nada é impossível, basta querer. O Famoso “Yes! We Can” onde você precisa ser feliz a todo custo.

A Sociedade do Cansaço

Temos então a violência da positividade, vivemos hoje com a obrigação de ser feliz a todo e qualquer custo. O ser humano é tratado como um boi que precisa andar feliz para o abate. Substituímos a obrigação pelo projeto, iniciativa, motivação ou jornada, e isso acaba gerando depressivos e fracassados que se colapsam pela baixa produção. Tudo isso sem a necessidade de cobrança, onde todos são livres, mas uma liberdade disfarçada de coação que se traduz a “se você não produzir você não é livre”. Criamos uma sociedade doente: Depressão, Síndrome de Burn Out, Déficit de Atenção marca essa Sociedade da Culpa que vive criando produtos, sistemas, mas a vida parece não melhorar, pelo contrário, só piora cada vez mais exausta.

Então chegamos à Sociedade do Cansaço, onde a depressão é a expressão fisiológica desta nova fase, onde nós mesmos somos agressores e vítimas dessa violência da positividade. Gosto quando o Byung fala “O excesso de elevação do desempenho leva a um infarto da alma” pois traduz muito bem o que vivemos. A sociedade do cansaço é uma sociedade doente e ainda queremos nos adaptar a ela, queremos ainda ser mais produtivos, mesmo que isso leve a nada, mesmo que não traga tantos benefícios pessoais. Nunca ficamos satisfeitos, sempre queremos mais e só vamos estar plenos e satisfeitos na morte.

A Segurança da Informação

A Segurança da Informação vive seus dias de cansaço e exaustão e com pouco retorno, com dificuldades para ter um ambiente um mínimo seguro. O mais agravante na Segurança da Informação é ter que trabalhar com o ótimo, não sendo suficiente o bom ou mediano. É muito difícil achar o ponto de equilíbrio devido as complexidades do ambiente de TI, onde o nível de segurança é satisfatório e é possível assumir o risco a partir daquele ponto. Tudo é preto ou branco: ou está seguro ou não está.

Outro ponto é o mundo lutando pela sua atenção, a abundância de informações e conteúdo que pulam nas telas é brutal, basta você observar as últimas vulnerabilidades de segurança que foram descobertas, quantas vezes você já foi informado sobre ela a partir de fontes e meios de comunicação diferentes? Todos acreditam que a informação ainda não chegou até você e você precisa saber (mas ninguém fala da correção que precisa ser feita, só do problema!).

Tudo isso se reflete na atenção. São tantos estímulos e impulsos que não conseguimos mais prestar atenção, a chamada hiper atenção. E com isso perdemos detalhes importantes no nosso dia a dia que nos causam problemas como retrabalho, falta de entrosamento e necessidade de criar controles para evitar (ou melhor identificar) as falhas humanas. Não temos mais a capacidade de olhar o todo, de analisar todas as possibilidades e prever os efeitos colaterais.

Byung traz uma solução também, ele aponta que os grandes avanços da humanidade que nos trouxeram até aqui foram frutos de uma atenção profunda, de uma atenção contemplativa, ou seja, do tédio!

É preciso entediar-se! O tédio é tão indesejado hoje em dia que se acredita que se você está entediado, você só pode estar fazendo alguma coisa errada. Você deve estar sempre ocupado, produzindo, avançando na sua jornada, senão você está com problemas. Mas a verdade é que o tédio sempre foi a base para criar coisas inovadoras e resolver problemas existentes. O tédio é também sinal de que conseguimos descansar mentalmente, assim como o sono é o descanso do corpo físico, se estivermos entediados é porque conseguimos desligar da pressão incessante pela produção infinita.

Todos temos limites, precisamos observar à nossa maneira de funcionar e compreender que há necessidade de repouso, de dizer não algumas vezes para se preservar e conseguir momentos de tédio. Ter uma agenda cheia, sem espaços em branco não pode ser motivo de orgulho, deve ser motivo de desespero. É preciso compreender que é uma ilusão acreditar que quanto mais ativos nos tornamos, mais livres seremos.

O mundo luta brutalmente pela sua atenção e então precisamos fechar as portas e janelas para não ser fisgado pela atenção desnecessária ou duplicada. Reduzir as fontes de leitura, as reuniões que você é jogado sem saber o porquê ou as ajudas para resolver o problema que não te pertence. Mas quando se propor a uma atividade, faça-a com atenção plena, com a mais profunda presença e esteja atento a todos os detalhes.

Resolver bem um problema de cada vez é a certeza de que não precisará voltar a aquele assunto tão logo e que poderá seguir tranquilo para o próximo problema. E deixe tempo para o entediar-se com o problema, chegar no ponto de exaustão de todas as possibilidades, todas as consequências. Para Segurança da Informação, é neste ponto que deixamos de apagar incêndios e começamos a resolver os problemas com a certeza de que não haverá falhas, que não será necessário revisitar o caso e que a manutenção do problema já estará prevista.

Outro ponto importante é olhar para a Sociedade Disciplinar e ver que a disciplina era benéfica, então ter disciplina ajudará na performance. Ter regras, horários e cumprir é importante demais, valeria um outro post só para falar de disciplina. Mas o foco aqui é através da disciplina ter controle da vida, ter a performance adequada havendo o momento de produção e o momento de recuperação, de descanso, aproveitando as possibilidades desta Sociedade do Desempenho onde há a condiçõesde produzir a hora que queremos.

Com esta visão “Tediosa e disciplinada” espero que haja um carinho e atenção aos problemas de segurança de forma diferente a partir de agora. Principalmente porque problemas de Cybersecurity são materiais radioativos que precisam ser manuseados com cuidado, tratados e resolvidos da forma correta para não virarem uma catástrofe.

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